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A bet do Helinho

O que ainda não se sabe?

A iniciativa de instituir uma loteria municipal em Piracicaba chega com promessas de autonomia financeira, estímulo econômico e investimentos sociais. Porém, o texto enviado pelo Executivo carece de respostas essenciais para que o Parlamento delibere com consciência pública e segurança jurídica. Entre as ausências mais graves, sobressai a inexistência, em lei, do rito de licitação prévia para concessões ou permissões do serviço — condição constitucional inafastável. A mera referência a “conceder” e “permissionar” não substitui a disciplina legal de modalidade, fases, critérios de julgamento, habilitação técnica e econômico-financeira, matriz de riscos, garantias, hipóteses de extinção, sanções e mecanismos de fiscalização. Sem esse capítulo, a outorga a terceiros se torna terreno movediço, passível de nulidade e de responsabilização de gestores.

Outra sombra paira sobre a governança: o projeto concentra na Secretaria de Finanças papéis incompatíveis entre si — regular, operar, outorgar, fiscalizar e credenciar —, ferindo a impessoalidade e a segregação de funções. Uma loteria municipal exige arquitetura institucional que separe, com clareza, quem define regras e fiscaliza de quem executa; exige, ainda, barreiras anticaptura, regras de integridade e um conselho com participação social real, e não apenas declaratória.

Na seara orçamentária, a destinação genérica de receitas para “projetos de interesse do Poder Executivo” fragiliza o controle social e afronta a especificidade. Recursos dessa natureza, especialmente quando oriundos de atividades de risco social, merecem trilhos precisos: fundo garantidor de prêmios; vinculações explícitas a políticas prioritárias (com percentuais mínimos); metas de resultado; e prestação de contas com dados abertos e auditoria independente anual. Sem isso, a loteria corre o risco de virar orçamento paralelo, vulnerável à volatilidade política.

Há, ainda, o paradoxo moral. O Estado pode — e às vezes deve — regular atividades de risco; mas, quando decide explorá-las, assume responsabilidade redobrada pela proteção dos vulneráveis. O projeto enuncia “jogo responsável”, mas não define instrumentos concretos: autoexclusão, verificação etária robusta, limites de apostas e perdas, educação financeira, atendimento psicossocial e regras estritas de publicidade com fiscalização efetiva. Tratar esse capítulo como detalhe é ignorar que o custo social da ludopatia tende a recair sobre a própria rede municipal.

Do ângulo concorrencial, lacunas sobre licitação e credenciamento, critérios de habilitação, limites de participação societária e salvaguardas anticartel abrem flanco para operadores com poder econômico desproporcional. Sem uma matriz de riscos equilibrada, garantias de execução e indicadores de desempenho auditáveis, a Cidade se torna refém de assimetrias informacionais — e o interesse público, refém de contratos mal desenhados.

Faltam, por fim, os números e as escolhas. Qual o rateio da arrecadação bruta entre prêmios, imposto incidente, despesas operacionais e cota municipal? Como se estrutura a arrecadação líquida, inclusive a reversão de prêmios prescritos? Quais programas e funções orçamentárias receberão os recursos municipais, com quais percentuais mínimos e metas verificáveis? A projeção de arrecadação — frequentemente sedutora — nada diz sobre distribuição de riscos, sustentabilidade de longo prazo e custo-benefício social se desatrelada de um estudo socioeconômico ex ante, com cenários, sensibilidade e indicadores de resultado.

E a sociedade, foi ouvida? Tema controverso no meio acadêmico, político e religioso não se legitima por atalhos. Uma consulta pública consequente — ampla, acessível, transparente — deveria apresentar, sem eufemismos, o dilema central: o ganho arrecadatório compensa os riscos associados a jogos, vícios, endividamento e seus impactos morais e de saúde? Foram submetidos quesitos claros à população, às instituições civis e religiosas? Onde estão os resultados, percentuais de apoio e contrariedade, e a síntese das contribuições que embasaram as escolhas normativas?

O papel do Parlamento não é demonizar a política pública, tampouco chancelá-la sem lastro. É exigir que um projeto dessa sensibilidade nasça sobre pilares de constitucionalidade, boa técnica legislativa, governança íntegra e transparência radical. Que preveja licitação robusta; segregação de funções; auditoria independente; proteção efetiva ao apostador; regras concorrenciais claras; dados abertos e controle social. Que apresente um roteiro crível de como cada real arrecadado se converterá em benefício mensurável à população, sem ignorar os custos ocultos.

Dito isso, a pergunta retorna ao local adequado: diante das omissões, o que ainda não se sabe — e quando saberemos? A Cidade merece respostas antes do voto, não depois. Que cada leitor, munido dessas inquietações, forme sua própria convicção sobre a aposta que se pretende fazer em nome do interesse público.

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